quarta-feira, 16 de maio de 2012

O encadeamento perpétuo


Em Night Call, centésimo trigésimo nono episódio da série Twilight Zone, realizado por Jacques Tourneur, a questão dominante é a do controlo do ritmo cénico, porque a bem dizer é um filme de terror ou suspense, enfim, o que se lhe quiser chamar, e portanto depende disso. Mas há outras questões, nomeadamente a da senhora Elva Keene acreditar ou não no que lhe está a acontecer, e isto é a zona de transição entre dois terrores: o inesperado, as chamadas com uma tensão que rasga como agulha a pobre senhora e o esperado, o terror do remorso e das oportunidades perdidas, da saudade e do impossível regresso ao passado, que se não tem tensão, a verdade é que remói o espírito, cruelmente..

Tudo se passa em vinte minutos, é televisão, mas a inteligência e sabedoria do génio francês prolongam e encurtam as sequências para fazer esse tempo importar e transcender o formato. E fá-lo por perder mais tempo a retratar os conflitos e dilemas não resolvidos da senhora Keene - em silêncio porque a inteligência e a sabedoria de um grande realizador também se mostram pela quantidade de respeito que tem pelas personagens (sem histerias e histrionismos, só o desgosto em silêncio, para se adivinhar o que lhes vai na alma; antes compreender o horror profundo destas coisas que o exibir com segundas intenções, como marionetista de um freak show) - que a avançar com a trama de ficção científica, trama essa que se resolve em três, quatro minutos.


A senhora Keene, durante uma tempestade eléctrica, é assediada com chamadas a meio da noite. Enquanto não se sabe quem a importuna ao telefone, ela tenta saber a todo o custo o que se anda a passar. Depois de sustos no quarto, conversas com a companhia de telefones e discussões pela sua sanidade com a criada, acaba por descobrir que quem tenta falar com ela é Brian Douglas, o seu falecido noivo, através de um fio telefónico pousado na sua campa. Descobre-se antes do último plano que é a teimosia e controlo de Elva sobre Brian que lhe custa a vida e a incapacita a ela. Num confronto entre dois mundos - o dos vivos e o dos mortos - este desenlace tem qualquer coisa mais que só a justiça poética que se possa apreender, porque é supra-humanizante, há um cuidado em tentar ver a força e a preserverança escondidas dentro daquele farrapo humano.


E percebe-se então que não há aqui só um controlo de ritmos e informações, mas também de forças. Antes da revelação é Elva a vítima e depois é Brian. Com quanto sabemos tentamos adivinhar quem é culpado de quê ou se é até mesmo uma questão de culpas e inocências e somos apanhados num feitiço que mais impressionante é sabendo da economia de tudo: meios, tempo e formato.


Não se tem como saber quando ou como se põem em prática as questões do ritmo e da gestão da cena, se é na montagem, na rodagem, no plano de storyboards, se é uma consciência perpétua e portanto instintiva ou se é apenas acaso fortuito, mas a verdade é que eles existem. Não é por acaso que a identidade do marido é desvendada aos poucos com pistas sonoras: primeiro silêncio, depois sons dispersos, depois hello's assustadores, até à resolução. Como não é por acaso que há uma relação com a fé e o divino com um jogo de luzes entre as sombras da noite e os relâmpagos a eclodir na revelação interior de Elva, que é um auto-juízo demolidor e profundo. Uma realização melancólica depois de um auto de fé. Mesmo que no sobrenatural...