sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Have a great ride, Jim*



What if that means something? The universe is not “chaos”, it's connection. Life reaches out for life. That's what we're born for, isn't it? To stand on a new world and look beyond it, to the next one. It's who we are.”

Monólogo do filme

Não penso que Mission to Mars se possa considerar um blockbuster, no entanto tenho a certeza que foi feito de maneira a cumprir esse alcance. Ou seja, sabendo que tinha o mundo como público. De Palma tomou como modelo 2001 de Stanley Kubrick mas, no final, fica-lhe a dever muito pouco. E digo “fica-lhe a dever muito pouco” porque em todo o caso é um filme de Brian de Palma e o ter sido feito para um “grande público” ou parecer um remake (subversivo) de A Space Odissey1, não apagam isso.

Os primeiros planos contêm já neles os assuntos e temas de um filme.

Mission to Mars começa com o lançamento de um foguete de brincar para o céu. A câmara desce e assistimos a uma festa que parece ser de despedida (há um cartaz, em segundo plano, que diz BON VOYAGE MARS ONE!). Só nos são apresentadas todas as personagens no plano seguinte, mas o primeiro já prenuncia o resto portanto centremo-nos nele: começa tudo na infância. Ser astronauta é sonho de criança, imaginar viagens pelos céus e pelo espaço, a aventura de tudo isso, porque só depois é que se procura o dar significado às coisas; o amor. Tema pilar de todo o filme que mais interessante é por não se limitar ao amor “matrimonial”, não, é também pelo conhecimento, pelos amigos e pelo desconhecido.

É quando nos é apresentada a personagem de Jim McConell que percebemos que Mission to Mars é também um filme sobre perda. Perda um bocado de tudo mas de fé, principalmente. Fé essa que é restaurada pelo cosmos. E quando assistimos ao salto temporal da caixa de areia onde brincam os miúdos para Marte, além de vermos que Mission to Mars é um filme sobre Jim, que este é o herói desta história, todas as outras questões se conjugam. Ao pôr o pé na areia, Jim recorda que já sonhou ali, em miúdo, com o espaço, que já teve uma mulher e que quer significado para as dúvidas. Que lhe falta qualquer coisa, que talvez Marte seja a resposta. É além disso a elipse que já 2001 tinha. Não tão longe no tempo mas mais longe um bocado no espaço2. No filme de Kubrick pode-se dizer tratar-se de uma questão histórica, no de De Palma uma questão de estória. Quem quis (e quem ainda quer) mal a este filme, disse que era uma versão light de 2001 e Solaris, eu digo que o filme dá forma ao que nos outros dois era envolto em enigmas. Fez-se o exercício narrativo de forjar uma explicação para a vida, mas se ela parece infantil ou ridícula isso só abona em favor do filme, além do deslumbramento da descoberta estar lá e me parecer tão belo como o dos filmes de Kubrick e Tarkovski.

Não é costume de quem estuda e critica filmes querer aprofundar no que parece auto-explicar-se. Mas Mission to Mars não se auto-explica. O final do filme parece-me rodeado de mistérios. Porque Jim não sabe para onde vai, é a fé que o move, foi o ter ouvido a mulher a dizer que tínhamos todos nascido para ir para um mundo novo e olhar além dele, para o próximo. Ninguém sabe para onde foi ele e o derradeiro segredo foi-lhe reservado. Ou outra coisa. Ter Mission to Mars sido muito enxovalhado por altura da estreia diz mais sobre nós do que sobre o filme, propriamente. “Acreditar” não é muito coisa dos tempos que correm, que ser deslumbrado com uma pepsi numa mão e pipocas na outra não cai lá muito bem. Talvez. Mas quem viu a alegria nas caras de Jim (Gary Sinise), Luke (Don Cheadle) e Terri (Connie Nielsen) no momento daquela revelação não pode deixar de o fazer.

Have a great ride, Jim!

1. De Palma fala também de Destination Moon de Irving Pichel como inspiração para este filme.
2. Se nos lembramos, em 2001 saltavam-se milhões de anos, de um osso no ar para uma estação espacial em órbita do planeta Terra.

* texto publicado no segundo número da CINERGIA. Volto a agradecer o convite.